O meu amigo Lupi, que me lambe todos os dias, que vocaliza coisas ininteligíveis apesar de insistir em não ladrar – outro dia passou uma meia hora trancado na casa de banho, porque quando fechei a porta o gajo raspou-se lá para dentro sem eu dar conta e não ladrou! –, que me dá narigadas quando quer chamar a minha atenção, que esfrega o nariz molhado e geladinho em mim para me cheirar quando me estou a vestir depois do banho, que se vem esfregar, tipo gato, e quase me manda a baixo a mesa que comprei nos Emmaus, com os seus 35kg de delicadeza, que mesmo bêbado de sono, vai todo estremunhado receber a Sofia à porta quando ela vem de comprar o pão, que resmunga à noite quando insistimos em falar no quarto antes de ir dormir, que lança charme a tudo quanto é enfermeira, que me rapta as pantufas, mas que também me ajuda a manter de pé quando não há sítio onde me agarrar e preciso de ficar parado na rua, enquanto a Sofia precisa de se afastar ou mexer mais activamente, que me acendeu muitas vezes a luz quando eu ainda via. Que me avisou muitas vezes de que estavam a tocar à campainha quando eu estava a trabalhar de headphones postos e porta do quarto fechada, que me apanha coisas do chão quando eu as deixo cair e as perco, que me vai apanhar as cartas quando o carteiro as mete na abertura da porta e que me faz companhia todos os dias, que são passados em casa em frente ao computador, evitando que eu frite o miolo, é o melhor labrador preto brilhante, com umas barbichas brancas, que eu podia desejar. Tenho pena de não o ver rir, como acontece de vez em quando, como me conta a Sofia. Tenho pena de não lhe conseguir dizer o quanto ele me ajuda, embora ele abane a cauda inequivocamente de contentamento quando eu lhe agradeço. Gostava muito de lhe conseguir explicar que não me custa ir ao ror de consultas a que vou, porque sei que ele vai estar comigo, fora as vezes que temos que nos separar momentaneamente para eu fazer algum exame – outro dia, depois de uma Ressonância Magnética, a técnica que me veio devolver o Lupi disse-me que tinham planeado ficar com ele, e que estavam a pensar em arranjar um cão assim para “lá”. Adoro receber as cabeçadas que me dá quando estou ao computador, e as vezes, com um copo de cerveja na mão… Espero que ele perceba que é uma comédia vê-lo a disparar na direcção da porta para o quintal e travar arrelampado por perceber que está a chover. Espero que ele nunca perceba que eu tenho mais medo de o perder, do que ele tem de me perder a mim. Um cão cheio de capacidades. Outro dia acionou o HomePod com a cauda, e pôs a dar a White Riot dos Clash – é bom DJ! Passados uns minutos arremessou para fora da mesa de cabeceira a caixa dos anti-histamínicos que uso para dormir com a sua cauda dançante. Também deve ser quimicofóbico, não sei lá o que é que ele anda a ler…
Abraço-o com muito mais emoção de cada vez que vejo tristezas como a que vi ontem aqui:
Quero agradecer, do fundo do meu coração, à Sofia que insistiu para que eu me candidatasse a um cão de assistência, às queridas médicas que me falaram na possibilidade de ter um cão de assistência e, claro, à Ânimas!
P.S.
Xico, é bem verdade que não posso usufruir totalmente do cão por já ser casado. Eu estou bem servido, mas olha que ia ser um sucesso!