Ontem fui às compras com a Sofia. Não gosto de ir às compras, mas como eram coisas para mim, lá fui eu até ao centro comercial. Resisti bastante bem às 3 horas em que estive exposto ao ambiente hostil de centro comercial, a que normalmente reajo com suores, irritação, quebras de tensão e, às vezes, revoluções intestinais.
Quando terminámos, decidimos ir dar um passeio e, uma vez que era domingo, resolvemos ir a um sítio novo, um pouco distante de casa.
Passada quase uma hora de caminho, estacionámos junto de um sítio muito agradável, com uns caminhos ladeados com árvores, de volta de um grande e bonito reservatório de água – disse a Sofia –, onde havia algumas pessoas a caminhar e passear cães.
Sou um bocado reticente em explorações, uma vez que facilmente chego a zonas onde não consigo caminhar. Mas parecia-me tudo bem ali. Lá fomos.
O Lupi foi travando amizade com alguns outros amigos de quatro patas, feliz da vida dele.
Passados uns 20 minutos de caminho, e depois de termos já passado algumas zonas em que não me tinha sentido confortável, perguntámos a uma senhora que parou junto de nós, por causa dos cães, onde é que aquele caminho nos ia levar. A senhora, simpaticamente, explicou que íamos ver uma ponte, e depois havia uma bifurcação, que para a esquerda dava-se o resto da volta ao reservatório, e para a direita era para continuar a dar uma volta maior, que abarcava outro reservatório. Perante aquela informação, decidimos seguir em frente, em vez de voltar para trás.
Fico sempre desconfortável com informações deste género, porque nunca sei se é demasiado longe para mim, ou não. Acrescia que o caminho podia ficar mau, como em algumas zonas por onde já tínhamos passado.
Lá seguimos. Achámos a ponte – era longe e tinha umas zonas lixadas! – e cortámos para a esquerda, pelo caminho mais curto.
Dava para ver que já estávamos a mais de meio do caminho, portanto, voltar para trás aparentava ser estúpido.
Havia algumas pedras no caminho, seguidas de irregularidades, depois rampas, lama, raízes de árvores, portões, escadas, caminhos muito estreitos, silvas e vegetação vária. Eu já ia aos car… caragos e a Sofia a motivar-me com a cervejinha que ia beber a seguir.
A uns dois minutos de eu lhe pedir para me levar às cavalitas, a Sofia viu a saída/fim, já na zona onde estava o carro. A Sofia deu-me a motivação final, falando na cervejinha, e eu pensei que nem tinha sido assim tão mal, que o problema era a incerteza de saber se faltava muito ou pouco, e que da próxima ia ser muito mais confortável para mim. Não tive tempo de abrir a boca para lhe dizer isto – ela vai ficar a saber quando ler este texto.
Sofia – ahh! O parque de estacionamento tem o portão fechado a cadeado e já só está lá o nosso carro…
Eram 18h, eu tive o cuidado de ver.
Eu – liga para as emergências e pede para falar com a polícia.
Após alguns minutos de pesquisa na Net – o edifício onde o carro estava estacionado era da companhia das águas, pelo que havia a esperança de sacar um número onde alguém atendesse e fosse ali abrir o portão num tirinho, teoria que não se verificou – ligou para as emergências. Depois de terem passado a chamada algumas vezes e algum esforço a explicar onde estávamos, a polícia deu-lhe o número para casos não urgentes – pudera, não era o carro deles, nem eram eles que estavam mortos de cansaço , nem com sede, nem à chuva, nem sem sítio se quer para se sentarem!
Depois de termos conseguido falar para o departamento certo da polícia, e a Sofia ter lutado para que entendessem onde estávamos, foram extremamente simpáticos, recolheram os dados da Sofia, disseram que iam arranjar um contacto e voltariam a ligar. Lá ficámos nós à espera… Nem sei quanto tempo.
Fomos tentando escapar da chuva, graças a uma árvore que lá estava, e gerindo energia, que já estava na reserva mesmo antes de terminar o percurso à volta do reservatório.
A certa altura, um casal que tinha chegado entretanto e regressava ao carro chamou a nossa atenção. A Sofia “gritou” a perguntar se por acaso conheciam alguém que trabalhasse naquele edifício, a senhora aproximou-se, disse que não, explicou que era uma espécie de centro interpretativo sobre o meio ambiente e lamentou a nossa situação. Perguntei se nos podia indicar um sítio onde pudéssemos alugar um quarto para aquela noite, caso fosse necessário. Respondeu que não, mas que podia ver no Google. Lembrei os presentes que devíamos poupar as baterias dos nossos telemóveis e aceitámos a ajuda da simpática senhora, que com sintomas de constipação, precisou de ir ao carro buscar os óculos. Regressou com um senhor, e enquanto o senhor fazia festas ao Lupi e lhe dizia que ele era lindíssimo, ia-se assoando e arranjou-nos o número de telefone dum pub, ali mais pertinho, a 5 minutos de caminho, onde também alugavam quartos. O telefone da Sofia começou a tocar e a simpática senhora afastou-se, despedindo-se e desejando-nos boa sorte.
Era da polícia. Parece que estavam a tratar do caso, que iam arranjar um contacto. Estavam a tranquilizar-nos.
Nesta altura lembrámo-nos de ligar para a linha de incidentes urgentes da companhia das águas, só que em vez de reportar um cano roto, reportaríamos a situação do nosso carro, que estava trancado num edifício. E com que cadeado! Enorme, com rodinhas para pôr o código, a agarrar uma corrente grossíssima.
A senhora que atendeu, a Georgia, foi muito simpática, mas disse que não conseguia falar com ninguém dali, do edifício. Pediu os dados à Sofia e disse que ligaria daí a um bocado, depois de falar com a chefe. Avisou que alguém nos ia abrir o portão! VIVA!
A polícia voltou a ligar, dizendo que íamos ser contactados pelos bombeiros. A Sofia avisou que também tínhamos avisado a companhia das águas, e que a companhia das águas iria resolver o problema, e para a polícia o assunto ficou arrumado!
Pensámos então em ir para o tal pub sentarmo-nos até alguém telefonar. Estava a ficar bastante frio e eu estava já muito cansado. 5 minutos a pé não podia ser longe.
Lá fomos, passeio estreito e vegetação a invadi-lo vinda do quintal das casas. Por uma vez, só não fiquei cego porque já sou – e também estava com os óculos postos.
O sítio era meio ermo e eu não estava a gostar. A Sofia confirmou o caminho. Continuavam a faltar 5 minutos a pé… Disse-lhe que preferia voltar para trás, que não queria que ela fizesse o caminho de volta sozinha para ir buscar o carro.
Nisto a Sofia avistou uma carrinha da companhia das águas ali estacionada. Estava a tentar convencer a Sofia a ir bater às portas até descobrir quem andava com aquela carrinha, para pedir ajuda. Nisto ouvimos alguém a sair de um carro, e ao mesmo tempo que íamos abordar a pessoa, o telefone tocou!
Era da companhia das águas, a dizer que ia gente a caminho. Agradecemos muito e avisámos que estávamos a 5 minutos do carro, para a pessoa esperar e não se ir embora!
Quando chegámos ao portão, ainda não estava lá ninguém. Nisto recebemos uma SMS da companhia das águas a informar que a pessoa que nos ia abrir o portão demoraria 1 hora e 15 minutos a chegar…
Fomo-nos mexendo e tentando safar dos chuviscos, que tinham amainado. Eu só pensava na cervejinha, que seria melhor jantar e tudo.
Mudámos de sítio algumas vezes para passar o tempo e desentorpecer as pernas até que chegasse o funcionário da companhia das águas. Já estávamos de pé há muitas horas e, pelo menos para mim, estar parado de pé é muito custoso.
Passada a hora e 15 nada… pedi à Sofia para voltar a ligar, coisa que fez, sem, no entanto, obtermos nova informação. Quem atendeu explicou que toda a gente do escritório já sabia da situação e que alguém nos ia abrir o portão, mas que não sabia exatamente quando.
Comecei a entrar em stresse, bastante cansado mesmo. Liguei eu para a companhia das águas, falei com um senhor que, mais uma vez, me disse que toda a gente sabia da situação, que não sabia quando ia ser, que não me podia dar um número de telefone dos engenheiros que lá iriam, que deviam estar a fazer outro serviço, que não conseguia dar uma estimativa de tempo. Expliquei que era um tipo todo tortinho, estava muito cansado, sem sítio para me sentar e a ficar com muito frio. Lamentou e desligou educadamente.
Passada uma meia hora, acho eu, disse à Sofia para ligar para um amigo para nos ir buscar, e para saltar o muro – ela já tinha dito que o podia fazer – para ir buscar a chave de casa, que estava dentro do carro, que íamos telefonar para a companhia das águas, não fosse disparar algum alarme, e ainda seríamos acusados de invasão de propriedade privada. Estava-me mesmo a passar, quando a Sofia disse – Vem aí um carro…
Era mesmo um senhor da companhia das águas, bastante chateado por ter que sair de casa, de junto da família, a um domingo, dizendo que não devíamos ter estacionado ali – obrigadinho!
Demos-lhe toda a razão, oferecemos uma bebida que ele recusou. Que preferia voltar para a família, ainda nos descansou dizendo que pelo menos tinha sido pago para ir ali.
Arrastei-me até ao carro, muito cambaleante, e só não dei graças a Deus quando me sentei no carro porque não sou crente.
Já passava das 22 horas quando saímos dali.
P.S.
O pub não tinha estacionamento.